LITERATURA E MOTIM

O Capitão não deixa ninguém se amotinar no navio, evita amotinação, se poder, porquanto o motim contraria seus interesses, ameaça seu comando, pode lhe destituir do posto de capitão ou mesmo pode lhe custara vida .
Nas letras, na literatura, nas artes, no pensamento escrito e falado também há um capitão que comanda o navio de signos nas águas de tinta do rio : o escritor, o jornalista, o filósofo, o poeta, o artista plástico, o escultor ou o cientista, enfim, todos os que exercem o ofício de escriba ou de gravador na pedra, na madeira, na tela, enfim, no material sobre o qual grava suas idéias, expões seus pensamentos.
A literatura, em todas as suas formas, é uma casa onde o pensamento se expõe, onde os memes sociais e individuais são transmitidos e adquiridos.
Não obstante, uma censura implícita, tácita é imposta a essas "casas" ; censura cuja sanção pode ser a morte, quer seja no sentido literal, natural ou metafórica, simbólica.
Os sábios ou artistas que ousem enfrentar os interesses dos poderosos senhores do mundo natural e social, erigiu-se, desde a antiguidade medieval, o tribunal do Santo Ofício , que continua operante, ativo, atuante : é um dos principais atores sociais. A inquisição exerce um um dos Três Poderes ( poderes de quem?), sob o doce e idílico, utópico nome de "Justiça" ( não há maior injustiça do que o uso leviano desta palavra instituiconalizada na forma nova da Inquisição espanhola medieval).
Porém a inquisição atual, herdeira em memes da antiga Inquisição espanhola de Torquemada, é hoje denominada sutilmente sob o brando e doce nome de uma deusa : a Justiça, cujo emblema ou metáfora exposta é que evoca uma pobre cega ( cabra-cega?) e cujo serviço é ainda chamado de santo ofício, sob outro invólucro de palavras.
Em função desse horror pânico que a Inquisição das velhas e novas fogueiras, com inquisidores "experts" em tortura medieval, do terror causado pela simples menção da "Dama de Ferro" e outras formas insanas de tortura, que hoje não vêm a público, ao contrário de ontem, na Idade Média , quando se torturava como propaganda do terror, como forma "terrorista" que a Igreja utilizava para dominar, hoje, na história escrita e falada na mídia, na historiografia, nenhum jornalista ou historiador ousa dizer que o que ocorreu no passado ( que fica enterrado literalmente no passado) acontece hoje, na atualidade; sempre foi, no mínimo, vinte anos atrás, quando os donos do poder vigente à época não podem sofrer mais quaisquer danos ou reagir, pois ou já não se preocupam com isso ou porque já faleceram e, de uma forma ou de outra, não serão punidos : serão julgados pela história que é um tribunal de signos que não pode fazer ninguém pagar pelos crimes perpetrados.
Essa postura de dizer que a escravidão ou quaisquer outras formas de exploração ou crimes do presente é uma maneira covarde e impede que o que continua acontecendo, sob outras capas, com outras máscaras legais, sociais, morais, religiosas, seja encoberta no interesses dos poderosos que exercem seus poderes enquanto os historiadores ficam a discutir se os anjos de ontem tinham sexo e os de hoje não tem, são todos anjos bondosos, filantropos.
A história assim não contada, não narrada, também não conta como conta na contabilidade do ativo e passivo do balanço da realidade e não ajuda a evolução social, pois põe todos os crimes dos poderosos, todos os abusos no passado histórico ( no museu que de fato é este tipo de história que, lamentavelmente, é o único modelo até hoje).
Devido a isso as letras, a literatura histórica fica sendo menos uma forma de motim, de amotinar contra os poderes constituídos, quer os donos desses poderes façam o que quiserem.
A literatura assim se torna estéril, não move o pensamento, que é o motor que move o mundo social e natural por causa dessa cegueira ou pusilanimidade dos historiadores oficiais ) as autoridades nomeadas como autoridades pelos senhores no poder, lacaios prontos para contar eruditamente a história do passado cruel e a história bondosa dos homens no comando atual da sociedade; enfim, não passa de uma louvação, bajulação, panegírico, apologia, o que fazem esses lacaios descaracterizados, vendidos, comprados.
O pensamento navega na literatura, mas se a literatura não tem conteúdo real, mas apenas fictício, o pensamento não está presente, apenas a ficção; então sobrevive o mito e a lenda : a história é só uma idéia, um ideal e a põem como tal para servir de cobertura a interesses dos donos de tudo. Não há ciência com donos de cientistas, apenas latidos dos cães e carícia dos donos ou chicote.
O pensamento é que move o mundo, vê o mundo : é o "olho-que-tudo-vê" realmente, o motor do mundo, " o primeiro motor" social que, se desligado, se não colocado no barco de signos da literatura, que é o veículo que o leva, não temos pensamento expresso e, destarte, o mundo social não se move, não há motim, nem ocorreria a Revolução francesa, a qual foi movia a pensamentos : os pensamentos dos iluministas e dos enciclopedistas, em posse dos quais os oradores ( líderes, agitadores sociais) colocaram na prática social aquilo que os filósofos franceses do iluminismo pensavam sobre a sociedade ( pensaram em como deveria ser a sociedade e como realizar o deveria ser em ser e em vir-a-ser, pois a cultura pode mudar, a civilização e a tecnologia evoluírem incrivelmente, porém as formas de subjugação e exploração humanas, as novas formas de escravidão legal apenas mudam o desenho, vêm com novo "design" histórico, contextual. Uma forma de práxis social anterior ao pensamento crítico, brilhante, porém ingênuo, utópico, de Marx)
Até hoje somente movemos historicamente o mundo natural através da tecnologia, cujo fito é atender tão-somente atender os interesses dos senhores, dos papas, milionários, políticos, enfim, os donos do planeta, cuja escritura de propriedade é passada pela história, pelas mãos venais de historiadores, jornalistas, artistas, pensadores e cientistas cujo caráter está à venda.
A literatura contém uma fera que a inteligência do Poder mantém mansa e pacífica no zoológico das instituições , doméstica e condenada a pagar pelo rastilho de fogo, presa em celas com grades do Direito. A literatura, enquanto não se torna auto-ajuda para alienados, aleijados, mentecaptos, enfim, como literatura neutra ( nula) dos covardes e pusilânimes; a literatura, que é um ato de heroísmo, ato para heróis, trabalho de Hércules, é uma arma pior que qualquer míssil atômico : destrói mais que todo o arsenal atômico e, outrossim, reconstrói o mundo social rapidamente assim como o fazem as ervas de plantão à porta de um castelo que elas planejam invadir um dia depois de paciente espera, postadas como guerreiras. Elas sabem que um dia tomarão de assalto o castelo, que um dia vencerão o mundo.
Provavelmente a obra de Salvador Dali descreva seja de fato, em ciência, um estudo da loucura no mundo, que torce e vira tudo de ponta cabeça. Salvador Dali fez um estudo paranóico-crítico, método científico genial ( e em vida, não "in vitro", como na ciência~ sem percepção da vida ) do sonho colocado no mundo, dentro do indivíduo vivo e pleno, não apenas a parte racional do monstro científico-paranóico.
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